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Submergindo na Desigualdade: O Terror Social em “Propriedade”

“ATENÇÃO: Este Artigo Contém Spoilers do Filme “Propriedade” da Netflix”

Nos primeiros momentos, uma cena de violência urbana chocante, capturada por um celular, inaugura a narrativa de Propriedade, obra do cineasta pernambucano

Daniel Bandeiras. Desde esse impacto inicial, o espectador é mantido alerta a cada movimento dos personagens na tela, onde nada é previsível.

Desenvolvido ao longo de uma década e impregnado de temas políticos e sociais, o enredo de Propriedade emerge como o pilar fundamental do filme. Após a

comoção inicial, a trama diminui a tensão em um momento íntimo entre mãe e filha. O diálogo entre elas é truncado, carregado de ocultação dos motivos por trás da

desconfiança de Teresa (interpretada por Malu Galli).

Paralelamente, o enredo enfatiza o papel do segundo protagonista: o novo carro de Roberto (Tavinho Teixeira). Recém-saído da oficina com uma blindagem

reforçada, o veículo se torna à prova de balas, um elemento crucial conforme o casal adentra um ambiente hostil e a precaução se torna essencial. É a partir desses

elementos que o suspense se constrói em torno dos personagens.

 

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Embora não estejamos em uma adaptação direta de Stephen King, como em Christine – O Carro Assassino (1983) ou Cujo (1983), o automóvel emerge como o

catalisador central de uma disputa pela posse que dá título ao filme. Essa analogia permeia diversos aspectos da trama, explorando os questionamentos entre o

direito de possuir algo e o dever de servir a alguém.

Ao chegarem à fazenda, o casal depara-se com uma desordem incomum. Onde estão todos os empregados? Por que a televisão da sala está ligada? Um grito, um

objeto quebrado, e a narrativa toma um novo rumo. Até este ponto, Propriedade recebe um tratamento instigante, mais pela profundidade do conteúdo do que pela

sua forma.

Quando os empregados da fazenda entram em cena, o filme transita da tensão para o terror. As comparações podem ser traçadas com as obras de John Carpenter, ou

até mesmo com as do conterrâneo do diretor, Kleber Mendonça Filho. Ambos os cineastas empregam a violência e o grotesco como meio extremo de representação

de uma fissura social. À medida que o sangue começa a jorrar, as associações com Bacurau (2019) se tornam inevitáveis.

Uma diferença evidente entre as obras de Kleber Mendonça Filho e Daniel Bandeira é a disponibilidade de atores renomados e talentosos. Enquanto o primeiro

contava com nomes consagrados como Sônia Braga, Karine Telles, Thomas Aquino e Bárbara Colen, os atores neste filme se destacam por falas desprovidas de

emoção e reações caricatas diante das situações, o que acaba por distanciar o público dos acontecimentos.

Num contexto de guerra e horror, o desespero e as motivações emocionais emergem como elementos cruciais. Com um desfecho inesperado e propostas ousadas,

Daniel Bandeira constrói uma atmosfera genuína de tensão, medo e desespero. O terror aqui é enraizado na desigualdade social e estrutural do nosso país, onde de

maneira extrema aqueles privados de alimento almejam eliminar aqueles que ostentam camarões frescos.

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